Os 6 pseudónimos de Alice

quarta-feira, 12 de maio de 2010

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Anne Julie - Mundo Castanho



Anne Julie escreve em um blog particular, estuda em uma universidade particular, tem um corte retangular no cabelo. É inteiramente castanha, de pele, olho e alma. Viaja para casa dos parentes e vive equilibradamente. Seu corpo está exatamente como sempre foi, como também a forma que vê a vida. Prefere tons a cores. Tem lá suas preferências mas não sabe se as prefere realmente ao ponto de saciá-las. Mantém a mesma amizade desde o colegial e não pretende mudar.A única coisa que talvez mude esse ano seja a respeito dos rapazes. Talvez sonhe com um grande amor. Mas no máximo viverá um relacionamento, como qualquer outro, satisfatoriamente comum.

Nada pode ter mais graça que os clássicos dos livros ou a bossa nova que seu pai escutava. Nada além sua coleção de minitura de santinhos (São Longuinho, São Jorge...) que é extensa e antiga. Dispõe-se lado-a-lado em um armário de peroba que conserva todo charme do tempo. Anne Julie gosta de coisas antigas. Mas nunca se daria ao luxo de ceder a essas vontades. "Não creio que eu necessite de algo além de ar e água" (considerando ar e água coisa demais pra pedir para alguém).

Os almoços familiares são sempre iguais. Ritmicamente iguais, e engraçados.Uma grande família repleta de novos membros e falatório. Mas Anne prefere o silêncio. O silêncio que permeia sua lembrança. Desde as brincadeiras de playgroud e amizades que ficaram pra trás, naquele antigo prédio azul. Ou os segredos nunca revelados sobre o fundo da água. Anne Julie nunca entendeu porque algumas das amigas da época de brincar de bola no clube aquático simplesmente sumiram de vista... Talvez tenha sido culpa de uma paixão indevida. Ou não.

Anne Julie é inteiramente linear, mas algo de inquieto existe em uma parte sua que ela não ousaria conhecer agora. "Eu não ligo pra mudanças. Acredito no hoje, concreto e certo"

Jane Rachel Jones - Marcas e Corpo



Jane Rachel Jones tem um corpo feito para tatuagens. 3 das quais fez semana passada. Esse vício cortante de desenhar a pele fascina-a como nada igual. Ela gosta do prazer da dor que sente em tatuar o amor. Afrodite, Paraíso, Promessas Eternas em forma de verso e palavras. Rachel Jones tatua na mesma inquietude em que conta seus dedos. Tem gente que diz que ela exibe todo esse desleixo rabiscado na pele como uma ex-presidiária. Tem gente que jura que seu ‘ar’ exala um parecer autêntico. Ela não jura nem por nada neste mundo...

Se existe alguma paixão no mundo além da dor e do amor, eu diria que os Beatles são sim, a completa razão pela qual Rachel Jones ainda acredita na loucura. Acorda ao som de Martha, My Dear e enlouquece madrugada adentro no carro de um desconhecido,(escuta-se Helter Skelter). Adormece afogada em lágrimas alcoolizadas ouvindo o que John tinha a dizer, e ouvindo ruir as guitarras chega ao ápice do prazer (aquele que só a dor das tatuagens de amor pode levá-la). “A vida e a loucura são exatamente a mesma coisa, fundindo-se uma em outra, ao mesmo tempo. Só vale uma louca vida de prazeres”.

Defende suas paixões tal como pode defender seus amigos e cachorro. Com tal proteção e marcando seu território. É seu, é tudo seu. Por isso talvez se explique seu tamanho exagero. Nunca esteve em seu peso ideal, nem com as roupas certas para cada ocasião. Não sabe beber, e sempre bebe, passando mal. Por mais que o nicotina baixe sua pressão, ela segue em frente.Chora ao rasgar as roupas e pedir aos prantos que volte o que nunca veio. Ama o que ama e pode odiar a plenos pulmões tudo o que lhe negativar. Jane Rachel Jones não pode ouvir falar em morte que fica extremamente arrepiada. Teme a morte mais que teme morrer. Quer e muito viver pra sentir todo prazer que ainda não pôde (ainda que esteja condenada pela pele e pelos ouvidos).

Ela sente no fundo coisas que não pode admitir. Teme que a sensação um dia mude.

Nenhum segundo está lúcida. Parece estar sempre em constante ligação com uma vibração muito distante, onde sua mente não conversa, nem se liga com o chão. Tem a sensação de estar avoada, esbaforrida, com pressa. Pelo menos é assim que Alice vê Rachel Jones de longe enquanto ela dorme (em sonos pesados, boca aberta e corpo espalhado na cama)...

Tem família e amigos e muita gente contribuindo com a história. Mas ela sempre é vista extremamente perdida, incoscientemente alucinada e varia seu humor entre uma depressão profunda com uma conversa estupidamente alegre. Jane Rachel Jones não se encontra nenhum segundo perto da Terra. Rachel Jones é outra dimensão de viver. Onde vida é só prazer.

Dear Cecília - Pacato Domingo




Para Dear Cecília “Boemia é o momento no bar da esquina”. Fuma imaginariamente, bebe e vive domingos em bar, sozinha ou com amigos homossexuais. Sempre na tentativa de se apaixonar por alguém. Lhe agradam muitos tipos: sérios, altos, meninos, rudes. Magra e alta. Vestimenta clássica até demais para 20 anos de idade. Só de passar seu batom carmim ela é capaz de arquitetar as mais complexas cenas épicas de amor.

‘Querida Cecília’ é por conta do amor próprio que por si supre, por conta de seu amargo passado afetivo. Não se recorda ao certo quando passou a ser querida, mas sabe que essa é a forma mais correta de chamá-la. Mora na cidade, mas sonha rotineiramente com o campo e sua áurea lúdica. A extensa grama verde convidando a um pique-nique. Os lagos pedindo um mergulho profundo... A floresta aberta de galhos secos acompanhadas de um livro e um bom romance.

“Cidade Média é a pior invenção do mundo. Não chega a ter o calor de uma metrópole e tampouco a ‘intimidade’ de uma cidadezinha interiorana”. Opiniões fortemente lançadas juntos a um olhar semicerrado e um sopro de fumaça (imaginário) de menta, de um cigarro caro. Piteira manchada de vermelho vivo tal como sangue. Lábios colantes, sempre. Descolando de tudo, sempre. Dear Cecília, uma mulher de coração vivido.

E não havia de ser diferente em um domingo igual. O bar que toca jazz na rua mais movimentada da cidade estava lá, tocando jazz. Dear Cecília estava lá, junto a um ou dois de seus amigos homossexuais, mirando a todos os homens que estivessem ao alcance de sua vontade. “Mais uma dose de Martini”, pedia. E ainda que estivesse impedida de beber por motivos que não lhes cabe explicar agora, o álcool dava a ela uma perspectiva ainda mais fantasiosa da conquista. Toda a magia parecia triplicar, ainda que nenhum olhar cruzasse com o dela. Era apenas o desejo de desejar a todos, o tempo todo, ao mesmo tempo, sob um mesmo bar e um mesmíssimo olhar provocativo.

Lá de trás, ainda que turva a vista, ela via que um senhor se aproximava. Senhor demais para ser homem. Grisalho, casaco marrom e calça creme. Quanto mais próximo os passos ficavam, o olhar de Dear Cecília ia se esquivando para trás. A proximidade a incomodava. E muito. O jazz pôs-se em segundo plano quando ela já podia ouvir o sapato dele bater o solo com firmeza. Em um estalo musical, ele já estava ao seu lado, dizendo: "Perfumes amadeirados são de muito bom gosto. Gosto de verdadeiras mulheres". Inseguramente atraída por aquilo, ela sabia que naquele momento ele se tornara homem demais para ser visto como,apenas, um senhor.

Dear Cecília estava desconcertada. "A tempos não ouvia tanta convicção". Disse para dentro de si enquanto pedia permissão para se levantar e ir ao banheiro. Precisava ao menos, de um segundo a sós consigo. Para lavar os olhos e tornar a visão clara e objetiva, e retomar ao objetivo comum de todas as noites de domingo. "Eu gosto mesmo é do gosto Eu gosto é da conquista, e só. Só"

Sophie Marie - Sobre Espelhos e Poros



Sophie Marie descobrira que o fascínio narcisista que ela exprimia pelo espelho existia por conta da fotografia. Seu rosto, ainda que imperfeitamente desordenado (narinas largas, olhos pequenos, lábio torto), tornava-se fotograficamente belo. A fotografia era uma resultante no mínimo interessante, atraente; quiçá sufocantemente desejável. Ela se via além de uma mera imagem distante; explorava-se além, reparava-se adentro de seus poros, ia em cada orifício furado, cada cicatriz e marca sob a superfície de seu rosto. Ela estava fascinada por cada detalhe de sua face, que outrora fossem tão poucos. Talvez venha daí a explicação para seus retratos de rosto. Nunca imagens de corpo todo.

Sophie Marie é de alma entregue a Arte e a filosofia. Acredita que a boa música não tem nome ou endereço, mas som. Não se considera uma boa leitora (não lê muito, tampouco lê os grandes; lê 'alguns').Não recorda dados ou reminiscências, refere-se a um todo. Em grande parte do tempo, seu mundo está fotograficamente fragmentado... Marie é artisticamente contraditória. Alice? Vive a se contrariar a Arte.

Dizia eu sobre o reflexo.

Sophie Marie vivia em um mundo refletido de imagem. Imagem sua, de pescoço ahiba, com luz suave a fazer toda poesia acontecer. Seu quarto devia conter algumas dezenas de espelhos, lindamente emoldurados e mais lustrados que prata. Capazes de refletir cada imperfeição, cada perfuração. Em uma de suas escovações capilares (Sophie Marie mantinha seu corte um channel curtíssimo há cerca de 20 anos) enquanto mastigava a ponta do cabelo com o canto esquerdo da boca, ela se atreveu a se aproximar do espelho mais do que devia. 30 cm foram estão reduzidos a 15cm, 15cm a 10cm. E em 5 os poros pareciam imensos formigueiros que ao menor toque explodiriam em formigas iradas. E a pele tramada a fascinou irreversivelmente. Sophie Marie não podia ver graça em mais nada no mundo. Dali provinha a sua única e verdadeira conexão com tudo: era ela um constante formigamento prestes a eclodir.

Mary Ann - Um banho estranho



Eram quase meia-noite de terça-feira quando o box do banheiro em que Mary Ann tomava banho ficou quase que completamente embassado. O ar quente que circulava do banho fervente deixou que as gotas de água condensassem no vidro, tornando cada deslize fascinante. Mary Ann observava cada queda com desejo, tal como se a gota dágua que escorria pelo vidro do banheiro fosse lá outra coisa....

Mary Ann é um dos 6 pseudónimos de Alice, humana e em constante busca pelo desequilíbrio. Antes da meia-noite de hoje, eu poderia afirmar que essa jovem de 20 anos nada mais detestava além de banhos quentes. "Banhos quentes dão a impressão de nos manterem sujos. Adentro e afora".

Já davam 3 minutos de chuveiro ligado e ela podia notar que havia vapor também a embassar o espelho. Deitou-se, então, no chão. Com uma esponja grossa, a fim de limpar-se com clareza e competência, Mary Ann pôs-se a esfregar todo o corpo lentamente enquanto deixava a mente pairar... Seus olhos podiam focar as gotas como em uma bonita fotografia, e só aquela imagem cabia concentrar-se sua mente. A esponja passava duas, três e quatro vezes pelos braços e pernas, com força, deixando Mary Ann novinha em folha.Buchas vegetais com poder revigorante estão na lista de suas paixões.

Quando Mary Ann pode notar que as gotas estavam condensando pelo vidro, o banho havia terminado. Emergindo em uma imensa bola de ar (tal como uma enorme nuvem de fumaça, pensou) seus pés foram marcando o chão até a frente do espelho do banheiro.Seu olhar passeou pelo corpo a fim de terminar em seu rosto. E o sentimento dentro dela mudou de desgosto para gosto. Enrolou-se na toalha que bordaram outro nome (não cabe agora lhes explicar) e foi para seu quarto.

Essa poderia se passar por uma simples terça-feira, não fosse o banho-quente e o fato de que seus cabelos (longos cabelos) estavam mais secos que pó. Da lista de coisas que Mary Ann não apreciava estavam os 'banhos incompletos, sem lavar os cabelos'. "Cabelos fazem parte do corpo tal como mãos e dedos. Eu lavo todo fio de cabelo quando tomo banho, em todo banho que tomo".

Adentrando a escuridão natural do princípio de uma madrugada, com as luzes da casa apagadas como também as da rua; o quarto de Alice estava em breu. Tateando as paredes para encontrar a luz, ela se fez em alguns segundos de mistério...Apressada, como se algo a esperasse do outro lado do sono, Mary Ann ainda com colo molhado de água-quente pôs a camisola e deitou-se contrária a cabeceira da cama.Na prateleira, escolheu 'O Mágico de Oz' como deleite da noite. Mas nas primeiras páginas, logo, repletas de protagonistas, Mary Ann já demonstrava interesse algum na leitura.

"Já me basta de histórias de mocinhas e aventuras, por hoje". Apagou a luz, e dormiu.

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